Já fui quem não era. Hoje, sou quem sempre fui. Rebentei a bolha, e ainda bem.
Ter sido adotado por uma família não racializada e de classe média aos seis anos deu-me um mundo de oportunidades, oportunidades essas que muitas das pessoas que se parecem como eu – racializadas – muito raramente têm acesso pelo simples facto de serem quem são – pessoas racializadas.
Se durante alguns anos vivi numa bolha, a passagem de um colégio para uma escola pública, no meu percurso pelo ensino obrigatório, permitiu-se, pela primeira vez, rebentar a bolha em que vivia até então.
Foi com a escola pública que comecei a aperceber-me de duas coisas. Por um lado, da diversidade étnico-racial que caracteriza a sociedade portuguesa. Por outro, da desigualdade e da segregação étnico-racial que a permeia.
É quer apesar de ter sido na escola pública que tive, pela primeira vez, mais do que cinco colegas racializados, só preciso de uma mão para identificar os colegas racializados (pessoas ciganas ou negras) que tive como colegas de turma ao longo do meu percurso escolar – no ensino obrigatório e no ensino superior.
Nos últimos anos, no que respeita ao combate a esta desigualdade, a Juventude Socialista (JS) tem também rebentado a sua bolha assumindo-se,hoje, como uma organização antirracista e reconhecendo a natureza estrutural do racismo. É neste âmbito que é de assinalar a recém criada rede antirracista da JS.
Por sua vez, o Partido Socialista (PS) e os seus executivos governativos – têm desenvolvido um trabalho assinalável nesta matéria.
De destacar é a recente autonomização da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), autonomização essa que garantirá uma maior independência desta entidade e um aprofundamento da institucionalização do combate ao racismo e à discriminação racial.
A par disto, é de assinalar a criação, por iniciativa do Governo, do Observatório do Racismo e Xenofobia que terá por missão a produção, recolha, tratamento e difusão de informação e de conhecimento em matéria de racismo, xenofobia e discriminação.
No entanto, foi com perplexidade que tomei conhecimento – por artigos publicados pela académica Cristina Roldão e a Jornalista Paula Cardoso – que, até à data, este Observatório é coordenado e exclusivamente constituído por pessoas não racializadas e sem percurso conhecido na sua área de atuação.
Este pormenor é relevante porque não existe desigualdade que não esteja inscrita numa relação de poder.
Quer isto dizer que a inexistência de pessoas racializadas neste Observatório é particularmente preocupante.
Pensem comigo. Seria razoável termos um Observatório que se debruçasse sobre a desigualdade de género liderado por um Homem que não tivesse percurso relacionado com a área de atuação desse observatório?
Se a resposta for negativa pergunto, porque é que naturalizamos, com tanta facilidade, a ausência de pessoas racializadas em espaços de discussão, decisão e poder?
Não estará na hora deste Observatório rebentar a bolha em que atualmente atua?
Rúben Marques da Silva
Presidente da JS Mafra