Are we failing you, or are you failing us? Breve reflexão sobre a participação eleitoral nas eleições legislativas de 10 de março

Setecentos e sessenta e um mil, novecentos e sessenta. É esta a diferença, positiva, no número de eleitores que se deslocou às urnas nas eleições legislativas de passado dia 10 de março comparativamente com as eleições para a Assembleia Constituinte em que mais de 90% dos eleitores exerceram o seu direito de voto. Com uma diferença de mais de quatro milhões de eleitores inscritos, a percentagem de participação eleitoral foi, ainda assim, significativamente menor. Não obstante, desde 2009 que a taxa de abstenção em eleições legislativas não era tão baixa (40,16%) e, considerando apenas o território nacional, o valor é ainda mais reduzido (33,77%).

Tradicionalmente, e embora a literatura não seja consensual, existe uma expectativa de que nas eleições em que a participação eleitoral cresce, o voto em partidos de esquerda cresça também. Nos estudos feitos em países em que o exercício do voto é obrigatório, esta tendência está razoavelmente confirmada, e as razões são de fácil explicação: quando todos os eleitores têm que votar, os cidadãos de contextos socioeconómicos mais desfavorecidos, e que têm tradicionalmente menos tendência para exercer o seu direito de voto, participam mais. Com maior participação destes eleitores, o voto em partidos de esquerda, que procuram construir mais igualitária, tende a crescer.

Desde 2015, ano em que se iniciou a governação do Partido Socialista (com apoio parlamentar, até 2022, dos restantes partidos da esquerda), a proporção de portugueses com Ensino Superior aumentou de 17,5 para 23,2%, a taxa de desemprego diminuiu de 12,9 para 6,5%, a taxa de risco de pobreza diminuiu de 19 para 17%, o rendimento médio disponível das famílias aumentou 33,66%, e o PIB per capita aumentou 14,82%. Olhando para estes dados, a diminuição da abstenção é compreensível, ou até expectável – em 2016, um relatório do International IDEA sumarizando os fatores que contribuem para aumentar a participação eleitoral, apontou entre os principais um maior desenvolvimento económico, e um maior nível de habilitações literárias.

No entanto, se em 2015 votaram 55,86% dos eleitores face a 59,84% em 2024, o voto em partidos de esquerda diminuiu de 51,48% para 38,69%, e no Partido Socialista em concreto de 32,31% para 28%.

“Are we failing you, or are you failing us? A little of both.”. No último episódio da primeira temporada de The West Wing (em português – Os Homens do Presidente) o ficcional Presidente dos Estados Unidos da América, Jed Bartlet, a falar com uma plateia de jovens sobre participação eleitoral e interesse por política, afirma que se é verdade que as políticas públicas para a juventude têm falhas, é igualmente verdade que os jovens se têm tendencialmente excluído do processo político. Analisando os resultados eleitorais de passado dia 10 de março, poderemos talvez aplicar uma máximasimilar.

Durante oito anos de governação do Partido Socialista, o nível e possibilidades de vida dos portugueses subiu notoriamente, ao mesmo tempo que a dívida pública reduziu para 98,7% do PIB, quebrando a máxima da direita de dizer que se melhora o país sem melhorar a vida de quem nele vive. Ainda assim, e como sempre dissemos durante a campanha eleitoral, há trabalho por fazer – na habitação, na saúde, na educação, no ambiente. A esquerda, e o Partido Socialista em particular, foram assim talvez vítimas do seu próprio sucesso – o trabalho feito durante oito anos desenvolveu o país e deu melhores condições de vida aos cidadãos, permitindo uma maior participação eleitoral. No ato de ir às urnas, a demora na execução de algumas políticas estruturais (muitas delas já em preparação, projeto, ou construção por via do PRR), falta de eficácia na comunicação em campanha, ou outros fatores que aqui nos escapem, poderá ter ditado, contudo, que os avanços feitos não foram valorizados.

Este aparente paradoxo, em que as políticas da esquerda foram suficientemente transformadoras para os eleitores se mobilizarem, mas não suficientes para se mobilizarem a favor dos partidos que as implementaram, não é, naturalmente, responsabilidade de quem vota. Antes, é responsabilidade da esquerda parlamentar, e do Partido Socialista em especial enquanto líder da oposição, comunicar melhor, conversarmelhor, e saber durante a próxima legislatura aproximar-se de novo da maioria dos portugueses.

João Espada

João Espada

Redator do Jovem Socialista