O Choque de Ideias desta edição debruça-se sobre a seguinte questão: Deveria ser criado um Círculo de Compensação Nacional?
Não
Defendo sempre a maior representatividade possível de toda a população portuguesa, no entanto como demonstro de seguida, a criação de um círculo de compensação nacional, conduz à eventual maior representatividade dos círculos eleitorais maiores em detrimento das escolhas dos eleitores de círculos eleitorais com menos votantes (designadamente, do interior).
Lugar-comum para defender o círculo de compensação é a ideia de desperdício de votos, os defensores deste modelo realçam que haveria mais votos a contribuir para a eleição de deputados. Contudo, verifico que o desperdício é maior nos territórios mais povoados do que nos menos e se o círculo de compensação nacional vai aproveitar osvotos desperdiçados, significa dar uma maior relevância às escolhas de quem vota em círculos maiores.
Simplificando, comparem-se os círculos de Viseu e Lisboa, o primeiro com 210395 votantes nas últimas eleições, elegendo 8 mandatos, o segundo com 1321139 votantes, elegendo 48 mandatos. A construção de um círculo eleitoral de compensação com 3 mandatos, em que 1 deles é retirado a Viseu e 2 são retirados a Lisboa, o PS elegeria menos 1 deputado em Viseu e CDU e PS teriam menos 1 deputado cada em Lisboa. No círculo de compensação, a CDU recuperaria o deputado perdido no círculo maior (sem que quase influam os votos do círculo pequeno), mas o PS nunca recuperaria o deputado perdido em Viseu, pese embora ser claramente a força política mais votada em relação aCDU, ADN e Livre (que conquistariam deputados no círculo de compensação), com efeito, o PS elegeu o último deputado em Viseu com 19359 votos (aplicado o método d’Hondt) e CDU, ADN e Livre tiveram, respetivamente, 2905, 6615 e 3566 votos no total em Viseu. Estas forças partidárias elegeriam deputados, não porque obtiveram um número elevado de votos no círculo de Viseu, mas porque obtiveram muitos votos num círculo maior, porquanto, mesmo os partidos menos votados, na maioria dos casos, têm mais votos nos círculos maiores e isso com um círculo de compensação induziria à eleição de deputados. Na verdade, o ADN só elegeria deputados em Viseu se este círculo fosse aumentado para 25 deputados (o círculo tem 8 deputados) e o Livre teria de esperar pela eleição de deputados do ADN, da IL, do Livre e do BE antes que pudesse eleger um deputado e para a CDU eleger ainda o círculo teria de ser mais aumentado.
A criação de um círculo de compensação nacional parece aumentar a representatividade dos círculos maiores (das grandes cidades), em detrimento dos círculos menores (do interior), agravando a sub-representação das zonas do interior que já hoje se verifica no método de distribuição de deputados somente baseado no número de eleitores de cada distrito
Diogo Carvalhas
Membro do Secretariado Nacional da Juventude Socialista
Sim
Nas últimas eleições legislativas alcançámos a menor taxa de abstenção dos últimos 30 anos, com um total de 6.473.789 votantes, dos quais 279.499 votos brancos ou nulos. Porém, desse universo, apenas 5.987.514 votos foram convertidos em mandatos eleitorais, significando que 486.275 eleitores tiveram os seus votos desperdiçados. Se devemos celebrar a redução da abstenção, devemos refletir sobre o que significa para a democracia participativa a ideia de que existem votos “inúteis”.
Portugal é um país tendencialmente bipartidário no que toca à governação do país. É fácil contextualizar e assumir que o eleitor português prefere governações ao centro, sejam de esquerda ou direita, alternando consoante os protagonistas, as circunstâncias e os programas, mas sem grandes “aventuras” ideológicas. Contudo, no modelo atual, em determinados círculos eleitorais mais pequenos a disputa eleitoral nunca pode ser entre mais de dois partidos, o que leva à concentração do voto entre o PS e PSD.
É aliás por esse motivo que é criado, em 2006, o círculo de compensação nos Açores. Perante um empate entre o PS e o PSD, o PS acaba por governar, mas a região decide avançar com uma solução que permitisse converter votos dispersos pelas ilhas numa entrada no parlamento para alguns partidos.
Em simultâneo com a tendência de “voto útil” que levou a uma maioria absoluta em 2021, tem-se verificado o aumento do número de partidos com assento na Assembleia da República, bem como o número de partidos que apresentam lista eleitoral, em particular desde a eleição do deputado André Silva pelo PAN nas eleições legislativas de 2015.
Significará essa tendência de alternativa de voto um sinal dos eleitores de que não confiam nos partidos de centro-esquerda e centro-direita, ou significará uma reaproximação dos cidadãos do espaço político? As várias soluções alternativas de partidos vão propondo em alguns casos uma metamorfose negativa do sistema político, mas noutros casos assume-se a introdução de novas ideologias ou apenas a pluralidade de ideias e multiplicidade de soluções. Num mundo cada vez mais globalizado e plural, o segundo argumento não deixa de acolher, aproximando-nos das demais experiências eleitorais da Europa.
Assim, as propostas do BE, Livre e IL para um círculo de compensação nacional são propostas enriquecedoras do ponto de vista democrático, contribuindo desde logo para o aumento justo da representação política de determinados partidos. Mas esta solução é sobretudo um valente contributo para o aumento da pluralidade de vozes e ideias, capaz de impulsionar o debate político e a sua diversidade e de aproximar os cidadãos descrentes da política. O PS deve ser um dos partidos impulsionadores desta mudança, propondo uma solução equilibrada e ponderada.
Catarina Silva
Membro do Secretariado Nacional da Juventude Socialista