A esquerda global está em crise. Uma boa resposta depende de um bom diagnóstico. Sugiro um: a esquerda deixou de oferecer uma noção corajosa de bem comum. Para ser bem sucedida, terá de a recuperar.
Não se trata aqui de atribuir culpas. Não há causalidades simples em processos históricos e a questão da culpa é irrelevante numa análise que quer perspetivar o futuro. Foco-me na esquerda porque é dela que terá de vir a alternativa.
Olhemos para momentos em que a esquerda democrática implementou os seus modelos de sociedade: o New Deal nos EUA dos anos 30 e o Estado Social na Europa do pós-guerra.
Em ambos, as sociedades estavam em convulsão. Nos EUA, a crise de 1929 tinha abalado a fé dos norte-americanos na “mão invisível” dos mercados. Na Europa, o sofrimento coletivo da II Guerra encorajou um sentimento de união nos países afetados.
Em ambos, as elites políticas tinham bem presente a ameaça de modelos alternativos de sociedade, principalmente o comunismo. Depois da devastadora primeira metade do séc. XX, era óbvio para qualquer um que a miséria social é a primeira condição para o surgimento de soluções radicais.
Estes modelos de sociedade acabaram por ser vítimas do seu próprio sucesso. Com Estados assistencialistas, redistributivos e dotados de ferramentas de regulação dos mercados, o desafio parecia ser apenas o de conseguir o crescimento económico.
Daí nasceu uma direita que afirmou que a melhor forma de conseguir esse crescimento era a de libertar completamente o indivíduo das suas responsabilidades para com a comunidade. Com esta fórmula, Reagan e Thatcher quebraram o consenso sobre o equilíbrio entre coletivo e indivíduo.
A esquerda não foi a jogo. Nos anos 90, com Clinton e Blair, a desregulação e a financeirização das economias continuou. A desigualdade aumentou, supostamente compensada pela “igualdade de oportunidades”.
Se fizeram bem ou mal é outra questão. Só os radicais se podem dar ao luxo de ser indiferentes ao contexto. E também nós não podemos ficar indiferentes ao nosso contexto: a esquerda aceitou a ideia de uma sociedade atomizada e precisa de uma ideia de comunidade. A direita encontrou a sua no nacionalismo e no nativismo.
Podemos talvez pensar um novo papel para o Estado por via da agenda ambiental: afinal, não há planeta B. Haverá outras. Numa altura em que as certezas do neoliberalismo se desvanecem, a esquerda precisa de uma visão de comunidade, em que a felicidade de cada um depende da de todos os outros.
Tomé Ribeiro Gomes
Membro do Gabinete de Estudos